quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Paradoxo Pré-histórico: Terror no Abismo Temporal



     
     O ano era 2042. Meus avós mal sonhavam em nascer. O mundo vivia uma nova era. Era um tempo próspero e de inúmeros avanços econômicos, sociais e científicos. Numa tarde de domingo, segundo os arquivos, fora publicado o mais improvável num periódico da revista Nature. Um físico francês chamado François Abraham havia rompido o tempo. Aquilo definitivamente entrou para a história como a maior descoberta científica de todos os tempos. E como toda grande descoberta, não faltaram controvérsias. Protestos de partidos religiosos por todo o mundo. Abraham tornou-se o "Anti-Cristo" para muitas pessoas e por outro lado tornou-se o próprio ''Deus'' para a comunidade acadêmica. As coisas se acalmaram com o decorrer do tempo e a descoberta logo caiu no esquecimento alheio, as pessoas se habituaram depressa, pois como eu disse, os tempos eram outros.

     Havia muito que se pesquisar ainda. Não demorou muito para novos pesquisadores se juntarem a Abraham. Não somente doutores em exatas, mas também em humanas e biológicas. O modelo experimental de François Abraham era capaz de abrir uma ruptura no espaço-tempo de modo a criar uma simples janela para o passado. Na ocasião, viagens no tempo eram ainda complicadas. Incertas. Não arriscariam. E desta forma, assim como todos os grandes nomes das ciências, François Abraham deixou para as futuras gerações seu legado. Foram dezenas e mais dezenas de publicações até a data de sua morte, em 20 de janeiro de 2090.

     Era 2173. Nicolas de Barros, um físico brasileiro, liderava o experimento "Túnel do Tempo" em Hong Kong, China. Em 12 de junho daquele mesmo ano, enviaram um robô há 4,8 bilhões de anos, nos primeiros instantes da Terra, no alvorecer do majestoso Sistema Solar. O robô Abraham-426 retornou ao ano presente com amostrar incríveis de rochas de um planeta disforme em plena formação. Tal feito fora comemorado com extraordinária euforia! Nicolas de Barros, então, quis mais. Queria uma equipe de expedicionários para desvendar os maiores enigmas do mundo e tampar definitivamente todas as lacunas deixadas ao longo da história da ciência. E tal projeto começaria pelas Ciências da Vida!

     Cinco anos depois uma equipe fora escalada. Missão: Era Mesozoica, final do período Cretáceo. Uma tropa composta por seis biólogos de diversas áreas, uma geóloga e um esquadrão militar de elite liderado por mim - tenente coronel Ferrone - partiu para seu destino a bordo da nave Ark. 60 milhões de anos mergulhados no passado sinistro da Terra, onde o que chegava mais perto de um ser humano não passava de "ratos" esguios em seus refúgios entre fendas de árvores e rochas ou debaixo do solo úmido.

     Houve um violento protesto da SCG - Sociedade Científica Global. Eles eram do governo, o contrário de nós... sim, todos os direitos de François Abraham foram privatizados há cerca de 30 anos. Uma punhalada nas costas dos burocratas governamentais. A bancada explanou com argumentos técnicos os perigos de uma viajem no tempo. Diversos modelos matemáticos estavam anexos no dossiê, entre eles, a Teoria do Caos, tal como o conto de Ray Bradbury, Um Som de Trovão, cuja ideia diz que uma insignificante alteração num meio pode desencadear uma catastrófica reação num futuro distante em outro meio - o "Efeito Borboleta". E o mais assustador... é que a bancada da SCG estava certa de alguma forma.

     Aterrissamos em terras desconhecidas. A selva era densa, o clima estava ameno e úmido. A atmosfera era tomada por um extenso enevoado causado pelo dióxido de carbono e o metano. Havia por toda a parte uma vegetação densa banhada em caprichos. Uma selva sinistra com ares de grande hostilidade. A maioria das plantas era descaradamente armada de enormes espigões, um alerta aos predadores: “não se atrevam a nos devorar!”. Outras, porém, eram mais traiçoeiras. Eram as mais belas de toda a floresta, coloridas e cheirosas, eram convidativas a qualquer criatura com vida, ainda que tal criatura desejasse somente apreciar sua beleza ao invés de querer devorá-las por sua saborosa aparência. Mas no fim, um pólen venenoso exalava-se de seu interior, ou uma espícula mortal revelava-se dentre suas pétalas sedosas, ou então, a seiva que as mantinha vivas tinha o poder de por abaixo as mais brutais criaturas que habitavam aquela selva. Uma selva primitiva de tempos distantes, imemoráveis. Ela ficava a sombra de um imenso vulcão que não parava de exalar uma gigantesca nuvem de fumaça escura. Atrás do monte ardente, pelo menos outras duas dezenas de vulcões hasteavam colunas de vapor e enxofre aos céus, formando uma cadeia em atividade simultânea.

          Sobre o mar esverdeado das copas fartas de folhas daquelas arvores gigantes, estranhos longos pescoços dotados de pequenas cabecinhas reptilianas emergiam a todo instante para abocanhar generosos punhados de vegetais e afundavam novamente na escuridão da floresta abaixo. Às vezes rugiam ensurdecedoramente, coisa que chamava atenção de outras criaturas, com semelhante estranheza, que se aninhavam do outro lado, às margens de um largo e sinuoso rio que rasgava aquele rico habitat verde. As bestas, temerosas por suas crias, esticavam seus pescoços aos arredores para garantirem que tais rugidos não pertencessem a nenhum predador.

          Aquele era um mundo caótico, regido apenas por uma única lei: a sobrevivência!
          As bestas reptilianas dominavam soberanamente desde os mares mais profundos às mais altas nuvens dos céus. Uma fauna e flora onde só os mais aptos sobreviviam. Onde uma carcaça já apodrecida pudesse ser alvo de disputa de dezenas de carnívoros sedentos de fome, ou um reles ramo de folhas frescas serem motivo de um duelo mortal entre dois gigantes escamosos, ou então, um simples desejo de saciar a sede a beira mais rasa de um lago poderia custar o pescoço de uma ingênua e infeliz criatura, por este motivo fútil, talvez, apenas molhar a garganta.

          Estavam por toda a parte. Em pequenos grupos, em incontáveis manadas, ou errantes solitários buscando apenas o dia de amanhã. Eram os donos da Terra. Estávamos em meio aos dinossauros, num mundo fantástico, e pela primeira vez eu percebi o quão frágeis somos nós, humanos, pois viver em meio àqueles animais, era fora de cogitação, mesmo com todo nosso avanço tecnológico e nosso "divinizado" cérebro de grande primata, aquelas criaturas eram incríveis, eram deuses na Terra, seu caminhar era digno de majestade, digno de poesia... absolutamente. Foi então que tudo fez sentido, digo, tudo aquilo endossado pela SCG, do qual a Companhia Science Future derrotou nos tribunais graças a generosos subornos pagos aos advogados corruptos do governo e ao seu juiz.

     Aconteceu na manhã de nosso quinto dia de missão. Foi mandado que coletássemos amostras de todo o tipo de organismo e rocha. Uma câmara criogênica no interior da nave armazenava pelo menos setenta ovos de cinquenta e quatro espécies de dinossauros, plesiossauros, pterossauros, crocodilos e mamíferos ovíparos, havia algumas serpentes e lagartos também. Amostras de sangue, sementes de plantas, tudo para pesquisas.

     Estávamos embarcando os equipamentos de comunicação quando de repente ouvimos gritos vindos da floresta. Em segundos preparamos os armamentos e corremos em socorro. Chegamos no local e a cena não era das melhores. Meus homens e eu nos sentimos dentro de um filme de horror. O capacete do biólogo Leonel Pontes estava estilhaçado no chão barrento, havia manchas de sangue por todos os lados. Vimos as pegadas no solo e as seguimos em extrema cautela. Na pressa, havíamos deixado o radar para trás. Tudo que tínhamos eram nossos sentidos biológicos. Silencio! Um vulto adiante seguido de um grunhido. Não tinha ideia do que estávamos lidando. Sabia que era era um dinossauro, sabia que era predador. Eficiente pelo visto. Marchávamos em formação de patrulha em meio a uma trilha cercada de grandes coníferas e carregada de ramos de densas samambaias. Paramos por um instante. 

De repente, algo saiu do mato cruzando a trilha como um trovão. Mal deu tempo de fazer a pontaria no alvo de tão rápido que foi aquilo! O coração estava a mil. Então, o sargento Malaquias perguntou sobre um dos nossos. Nos demos conta da falta de um. Tatsumi havia sumido... havia sido predado pela feroz criatura. A tropa abalou-se e todos estavam prestes a perder o equilíbrio. Quanto a mim, fingi manter a calma para não influenciar o desespero. O cabo Vigo, então disse ter avistado algo a nossa direita, no mesmo momento Malaquias afirmou um alvo em movimento na retaguarda e, eu, encarava uma fera bípede de três metros de altura, armada de dentes serrilhados, garras enormes nos membros posteriores e nos anteriores, outras garras em forma de gancho. Havia sangue na boca daquele animal. Os olhos eram grandes e macabros. Pedi calma aos soldados, mas eu mesmo estava prestes a me borrar. 

O simples ato de respirar daquele animal me amedrontava aterradoramente. Minhas pernas estavam fracas, eu não conseguia correr. Me senti um rato prestes a ser predado por uma serpente. O dinossauro de uma cor grafite e dorso escarlate caminhou em minha direção. Me olhava firme, pois me queria a todo custo. Eu era a presa da vez e aquele meu aterrador predador. Fechei os olhos e esperei o pior.

     Malaquias gritou e descarregou o fuzil no animal freneticamente. Abri os olhos e vi sangue jorrar na viseira do capacete. Vigo me puxou pelo cilindro de oxigênio e então corremos como se não houvesse o amanhã. Tentava contato com a nave desesperadamente, mas não obtive resposta. Quando ousei olhar para trás, enxerguei pelo menos  quatro caçadores incrivelmente velozes nos perseguindo. Eles rugiam e guinchavam como se estivessem furiosos e sedentos por nossa carne fresca. Consegui avistar a Ark com sua rampa de embarque ainda aberta. Subimos nela enquanto se elevava. Atiramos nas criaturas para as impedirmos... a rampa fechou-se enfim.

     Tiramos os trajes pesados e sentamos no chão. Estávamos exaustos. Não acreditamos em tal situação. Era como se algo conspirasse contra nossa equipe. Justo no ultimo dia, aquilo... logo me veio à cabeça a Teoria do Caos seguido de um arrependimento agonizante. Mas, não era o fim... tínhamos em posse uma máquina do tempo. Foi nessa ocasião que levantei recobrando a esperança. Corri até a cabine de comando junto do restante da equipe... meus olhos então arregalaram-se. Um frio intenso me percorreu a espinha. Minhas pernas paralisaram como em outrora. Havia cheiro de morte no ar. O chão, os painéis de controle, as paredes, tudo jazia banhado em sangue. Ouvi, então, um sibilo penetrar-me o ouvido esquerdo. Meus músculos se contraíram e os pelos de minha epiderme eriçaram-se. Fechei os olhos e apertei os dentes com força. Os passos do réptil vindo no meu flanco soavam como tambores de guerras épicas. Senti a boca escancarada do animal e seu hálito quente e úmido  cheirando a podre. Era cheiro de morte. Morte... foi a certeza que tive naquele momento.



Fim.












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