terça-feira, 8 de maio de 2012

Conto - Os Últimos Dias Antes do Fim II

     


Antes de começar a leitura, confira o início desta história em "Os Últimos Dias Antes do Fim", primeira parte, clicando aqui!


     



     35 olhou de rabo de olho para sua esquerda e percebeu que algo o espreitava. Um predador sedento de fome por uma presa que há muito esperava. O jovem respirava lentamente deitado sobre o solo pedregoso do que um dia fora uma tremenda avenida. Havia por todos os lados, edificações em ruínas e carcaças de veículos gastadas pelo tempo. As marcas da guerra estavam presentes em todos os cantos também: buracos de tiros, crateras de granadas, impressões de incêndio, restos de pessoas...
     Coberto por uma manta camuflada, armado com um bom fuzil equipado com luneta que encontrara ao acaso, havia pouco tempo - na verdade tal armamento pertencia a um cabo que conhecera dias após seu ultimo confronto, no entanto, uma forte pneumonia o pegou de surpresa o levando, então, a óbito -  35 estava a caça. Estava na posição de tiro há mais de uma hora por conta de um movimento adiante. Era um esquadrão de máquinas! Entretanto, o inusitado aconteceu. Uma estranha criatura surgiu em meio aquele cenário devastador. O rapaz jamais havia visto tal fera que, era muito semelhante a um lobo, mas, que não era lobo, nem sequer cachorro... Era como uma hiena - lembrou-se de suas aulas de biologia quando criança - mas não tão "pequena" quanto uma hiena e era robusto até mais que leões. E, de fato a criatura aparentava ou apresentava aspecto de um felino. Mesmo assim, era mais cão do que gato. A boca era larga e armada com grandes caninos, as narinas eram escancaradas, os olhos azuis como o oceano, orelhas eretas, os membros musculosos eram dotados de garras retráteis como em grandes felinos; a pelugem espessa apresentava coloração cinza, meio azulada no dorso e branca na região ventral; a cauda era idêntica a de lobo.
     35 havia se tornado frio. Suas ultimas experiências foram tão traumatizantes ao garoto que o forçaram a viver, porém, a "não viver" ao mesmo tempo. Andava sem raciocinar. Aprendeu a utilizar somente o necessário de si. Trabalhou - de maneira forçada - seus comportamentos mais basais, pois era o que havia de mais eficiente num cenário como aquele. Literalmente, a lei da selva. 35 era presa e também predador. Estava mais preparado do que nunca para morrer. No entanto, em seu íntimo, ainda temia como seria sua morte. Não queria nada que o fizesse sofrer. Queria algo rápido e sem dor. E a certeza daquele momento é que ele não morreria sem dor caso a fera monstruosa o pegasse, pois, novamente recordando as aulas de biologia, lembrava-se dos documentários que o professor exibia em sala, dos quais mostravam cenas de predações em lugares como na Savana africana, e lembrava que zebras ou cervídeos sofriam horrores nas garras dos leões antes de morrerem definitivamente. Ele não queria aquilo para si, de forma alguma.
     O animal estava próximo. Cerca de poucos metros. 35 imaginou se num movimento rápido poderia apontar a arma para a fera e disparar o tiro, mas pensou bem antes de tomar tal atitude, isso por conta da musculatura forte dos membros posteriores da criatura, da qual poderia proporcionar um salto incrível em sua direção com as afiadas garras armadas e rasgando seu tórax em seguida. Decidiu esperar. Todavia, outro dilema o atordoava, então ao observar as enormes narinas do bicho, deduziu que seu olfato seria extremamente apurado, portanto, não demoraria tanto para ser detectado no ambiente. 35 temia um desequilíbrio emocional, fazendo com que começasse a transpirar e exalar odores dos quais o predador poder sentir o aroma - coisa comum em predadores, devido suas adaptações para caça das quais os favoreciam muito.
     Houve um soluço. 35 se punia em pensamento, pois aquilo chamou atenção da fera. Orelhas eretas. As narinas dilatadas cheiravam o ar. Olhos atentos. O rapaz deitado sobre o solo congelara. Um frio o percorreu a espinha.
     A fera meio canina, meio felina, começou a trotar na direção do soldado. 35 arregalou os olhos. Seu dilema era tão profundo que o deixou sua reação alguma. Fechou os olhos e prendeu a respiração subitamente. O animal corria para cima de sua presa. Estava esfomeado, sedento, pois havia dias sem comida em meio ao caos. O som do galope aumentava a medida que a fera se aproximava. Era o fim!
     Uma luz incandescente surgiu de repente. Houve o raio e em seguida, o trovão. A energia percorreu a via em ruínas e só parou após varar e rasgar o feroz predador ao meio. Muito sangue jorrou no concreto e no asfalto destruído. O animal se dividiu em duas metades, onde a metade da cabeça caíra de lado de baca aberta expondo os dentes e a língua esticada.
     O chão e as paredes trincadas se viram tingidas de vermelho. 35 ainda estava com os olhos cerrados. Sentira o sangue quente do animal que há pouco o estava caçando escorrer por seu braço encostado no solo. Devagar abriu os olhos. Um zumbido tênue pairava no ar.  Novamente passos caminhavam em sua direção. Não enxergava nada devido a poeira e o clarão. Mas tinha a certeza de que não eram passos de animal algum - pelo menos não de quadrúpedes. Eram passadas pesadas. Metal contra o solo. Metal! Novamente o temor o tomou conta, pois estava claro que uma máquina caminhava em sua direção. Porém, entrando novamente em dilema, pensou se uma máquina faria o que aquela (suposta) fez. Se o teria aparentemente salvo, ou teria atirado em si antes de qualquer coisa. De qualquer forma, a suposta máquina havia utilizado um tipo de armamento que 35 jamais havia visto ou ouvido falar.
     O ser se aproximava calmamente. O soldado abria os olhos devagar, forçando a vista para tentar identificar o estranho. Pensou se deveria proferir alguma palavra a fim de abordá-lo. Achou melhor ficar calado até concluir o reconhecimento visual.
     - Não tema, guerreiro aliado. - disse o estranho serenamente.
     35 ficou surpreso e mais ainda sem reação. Pôs-se de joelhos e a poeira decantou. Diante dele, algo inédito. Um cavaleiro de armadura, como aqueles que só conhecia em literaturas fantásticas em sua juventude. O queixo estava caído e os olhos arregalados, como se estivesse diante de uma divindade celestial. E era o que parecia! O ser era como homem, mas trajava elementos "divinos". Uma armadura reluzente que vibrava de tamanho poder. A face e o olhar altivo do nobre guerreiro o deixaram alucinado. Estava abobalhado como uma criança. Na verdade, não tinha certeza se aquilo se tratava de um sonho ou de insanidade mental, pois 35 de fato há meses vinha pensando se ainda estava com a mente sadia ou se a loucura havia o atingido enfim.
     - Você... o que é...? - 35 balbuciou ainda ajoelhado.
     O cavaleiro o encarava com seus olhos pretos que brilham como diamantes negros, refletiam esperança e bondade, onde 35 percebeu então que estaria a salvo ao lado do misteriosos guerreiro.
     Era uma armadura robusta, de um verde-oliva. O que mais chamou atenção em 35 fora o elmo. Aquilo era um dinossauro! Digo, uma cabeça de dinossauro - pensou o rapaz. Recordou-se um pouco mais da infância feliz, cujo seu maior sonho era tornar-se um escavador de fósseis daqueles animais que julgava fascinantes - e de fato eram - e tais lembranças alimentavam mais ainda sua ideia de que estava louco.
     - Isso é um Tyrannosaurus! - 35 deixou escapar com voz abobalhada. - O que você é? Eu me recuso a não pensar que enlouqueci de vez. Eu não vejo como isso pode estar acontecendo comigo... depois de tanto o que passei, quais as chances de isso acontecer?! - ele exclamou alucinadamente. Seus olhos encheram-se de lágrimas. 35 ria e chorava o mesmo tempo.
     - Não tema, jovem. - o cavaleiro disse com voz doce. - Você não está sonhando, ou não está louco, nem sequer morto. Sabemos de sua angústia, mas não se desespere. Nós somos a esperança. Mesmo no fim de todas as coisas, mesmo no fim do fim do mundo e da vida, não há motivos para parar de acreditar. Tomamos para nós o poder dos deuses enfim. Agora, tudo se fará por meio de nossos planos, pois somos os Juízes e nos dedicamos ao futuro, mesmo que a morte nos assole, nós vamos restituir a humanidade, custe o que custar!
     35 segurou a mão do valente cavaleiro e pôs de pé. Milhões de perguntas bombardeavam sua mente, pois queria de todo modo decifrar as palavras poéticas que o estranho guerreiro acabara de proferir. De algum modo aquilo o confortara e pela primeira vez em toda a guerra, não sentia mais medo e nem desespero. O soldado emudecido, somente apanhou suas provisões e seu armamento. Então seguiu ao lado do misterioso cavaleiro. Marchavam para leste. Havia algum lugar lá do qual 35 desconhecia, mas tinha em mente que encontraria todas as respostas para suas perguntas naquele lugar. Tinha convicção de que estaria em plena segurança onde quer que fosse levado.
     O fim épico da nefasta guerra estava chegando ao fim e 35 vibrava porque iria presenciar tal magnifico e milagroso evento. Um nobre e misterioso cavaleiro o havia estendido a mão, num momento onde toda a esperança havia esvaído. Na memória, os companheiros que não tiveram a mesma sorte... uma força a mais para o soldado. Faria tudo em nome deles. Em nome da família que, mesmo não se recordando o bastante, sabia que um dia existiu e o amou.
     Havia de pé o ultimo filho da esperança. A Aliança Humana tomava um rumo totalmente inusitado. Algo novo estava por vir. Algo que transformaria o mundo e restabeleceria a inocência. Das cinzas e do caos, Guardiões... Cavaleiros reluzentes marchavam para o ultimo fronte de batalha. Esperança de terras além... sussurros ao vento... uma nova Era se prepara para emergir. Poderes antigos despertados!

"Na calada da noite, cavaleiros reluzentes marcham! Adiante, o implacável inimigo... haverá luta!"



Continua...        

2 comentários:

  1. Você tem tudo em pdf? Acredito que uma versão assim seria ótima para quem gostaria de ler eletronicamemte;

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    1. Olá,
      não tenho em pdf. Esses contos, geralmente, escrevo direto no blog. Agora, a saga "O Legado dos Deuses" está provisoriamente em word mesmo, até que esteja revisado.

      Até mais!

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